quarta-feira, 20 de junho de 2007

Para a próxima...

Depois de esticar o braço e conseguir que o motorista pare e abra a porta, entro no autocarro... Junto da maquineta, passo o "7colinas":
- "Biiiiiiiiiiiip!!!"
Passo o "7colinas" outra vez e,...:
- "Biiiiiiiiiiiip!!!"
Passo o "7colinas" mais uma vez e,...:
- "Biiiiiiiiiiiip!!!"

Sem alterar a expressão facial pacífica com que cruzo normalmente as ruas, grito:
- "Ai o c*r*lh*!!! Queres ver que nos vamos chatear, cartão de m*rd*?!"
(Mas para dentro, claro!)

Volto a passar o "7colinas":
- "Bip-bip!"

- "Teve medo" - penso eu. Sentado no meu lugar, vou fazendo o reconhecimento dos ocupantes do autocarro...

Alguém se senta à minha frente!!! É linda!!!
Vai a olhar para a janela, e num daqueles desprezados lugares "de costas", onde não podemos ver senão o que já passou. Ao contrário do resto do autocarro, há 4 pessoas que vêem o caminho assim... Não o que está para vir, mas o que já passou. Há até quem enjoe naqueles lugares. Talvez por ver as coisas a andar ao contrário, não sei.
Não é o caso dela. Pelo menos não parece... Vai com uma expressão de paz!
Aquela cara de quem está a olhar mais fundo do que vê. De quem olha para uma parede mas vê um imenso mundo alternativo. Um mundo de fantasia... Ou então um mundo de acontecimentos passados, onde lembramos aquilo que nos aconteceu.
Pensando bem... Ela vê na direcção em que olha, mas não no mesmo sentido.
Está a ver para dentro. Conheço bem a sensação!

Por momentos, parece voltar ao autocarro. Olha em redor e, de repente...
- "Bolas! Ela apanhou-me!"
Durante segundos sinto vergonha, mas... Ela sorri. Não para fora. Mas para dentro, sinto que ela sorri!
Fugimos um do outro sem sair dos nossos lugares. Apanho o olhar dela na minha direcção por várias vezes. Quase tantas quantas me deixo apanhar.
Cada um dos dois quer olhar.
Cada um dos dois sabe que o outro também quer olhar.
E cada um dos dois sabe perfeitamente que o outro também sabe.
No entanto, nenhum dos dois quer que o outro o veja a olhar.
Estamos nisto por quase 20 minutos. De vez em quando, lá escapam os olhos de volta para ela. E os dela também.
Não quer dizer nada... Mas ela é bem gira!... E, de vez em quando, olha para mim e sorri!
Para dentro, mas sei que sorri!
Ganhei o dia... Mas nenhum de nós se atreve sequer a dirigir a palavra ao outro.
As nossas bocas estão a uns dois metros, uma da outra.
No entanto, ninguém diz nada!

Aliás, se o Homem é um animal social, isso não se vê neste autocarro!
Estão umas 50 pessoas a viajar no mesmo veículo, mas ninguém "mete conversa" com ninguém! À excepção, claro, das duas cabo-verdianas que vão lá atrás a falar crioulo e do motorista e revisor a quem não apetece rever nada naquele momento.

A dada altura, entra um senhor com os seus 70 anos.
Passando da entrada, de bengala numa mão e sorriso de avô solta um "Bom dia!" claramente direccionado aos restantes ocupantes do autocarro... Ninguém responde!
Consegue apenas tornar-se o destino de quase todos os olhares durante segundos, enquanto arranja um lugar vazio lá atrás, no meio do autocarro.
As pessoas olham com aquela cara... Não a de quem vê para dentro, mas a de quem pensa: "Coitado! É maluco! Espero que não se sente ao pé de mim!".
Já lá vai o tempo em que era normal este tipo de delicadeza. Hoje em dia toda a gente vai nos transportes e na rua com milhares de pessoas à volta mas, na realidade, vamos sozinhos. Não é como antigamente.

Só que, de repente - surpresa das surpresas - há uma resposta ao simpático senhor...
- "Oiá! ("olá" em bebeguês)" - diz uma menina com os seus 3 ou 4 anos, de totós na cabeça.
Que chapada na falta de educação de todos à volta!
Fiquei tão embasbacado que nem reparei na minha parceira de viagem a levantar-se e a carregar no "stop".
Olho para cima e cruzamos olhares. Ela sorri... Para fora! Desta vez sorri para fora!
Por momentos tive uma doce e linda rapariga a olhar-me nos olhos e a sorrir-me, antes de sair do autocarro. Nem acredito!
Fosse eu um cubo de gelo e já estava derretido...


- "Para a próxima falo! Para a próxima... eu falo!" - penso, tentando interiorizar a lição que a menina de 3 anos, lá atrás, nos deu a todos...
Para a próxima...!

Fiquem bem, malta!... E portem-se mal!
Peace ;p

1 comentário:

Anónimo disse...

Odeio quando isso acontece! Que raiva que sinto depois de ter deixado escapar uma oportunidade dessas... Umas vez estive na mesma situação com uma rapaz, mas na praia. Havia sorrisos exteriores e há momentos em que queria ter o á-vontade da menina de 3 anos. O post está muito bom. Realmente foi uma boa chapada na educação dos ocupantes do autorcarro x).

Beijinhos**